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Amefricanidade, Justiça Fiscal e o Trabalhismo

Amefricanidade, Justiça Fiscal e o Trabalhismo

“Amefricanidade” é um conceito desenvolvido por Lélia Gonzalez, combinando palavras distintas, América e África, visando afirmar uma nova perspectiva sobre a formação da América Latina. Essa é uma inovação teórica de Lélia, inaugurando uma identidade política que ultrapassasse fronteiras nacionais e valorizasse as contribuições dos povos originários e da diáspora africana nas Américas, reconhecendo esses elementos como parte constitutiva da nossa identidade.


Para Lélia, esse entendimento seria um passo fundamental para eliminar o racismo na sociedade, pois, especialmente no Brasil, a sua principal característica seria a supressão e o não reconhecimento da negritude como parte constitutiva da identidade nacional.


Facilmente podemos afirmar que Amefricanidade é mais do que uma simples questão geográfica, é uma categoria político-cultural que:


Reconhece a diversidade das Américas

A identidade amefricana engloba a experiência comum de mulheres e homens negros na diáspora africana e de mulheres e homens indígenas, reconhecendo-os como elementos constitutivos da identidade do continente.


Desafia a hegemonia europeia

Amefricanidade questiona a centralidade do olhar europeu na construção da história e da cultura da América Latina, propondo um olhar que valoriza as contribuições afrodescendentes e indígenas.


Incentiva a aliança entre diferentes movimentos

A amefricanidade busca a construção de alianças entre movimentos sociais diversos, como os de mulheres, população negra, povos indígenas e LGBTQIAPN+, valorizando suas diferenças


Promove a resistência e a luta

Ao reconhecer as raízes amefricanas, o conceito também impulsiona a luta contra o racismo, a desigualdade e a discriminação, buscando a igualdade e a justiça social para todos.


Afirma a identidade

Através do conceito, Lélia Gonzalez busca a afirmação da identidade amefricana, resgatando a história e a cultura de povos que foram historicamente apagados, buscando construir um futuro mais justo e igualitário.


Mulher Negra

A obra de Lélia Gonzalez também aborda a situação da mulher negra, vítima de múltiplas formas de opressão e violência. Ela reafirma a necessidade de um olhar direcionado para as opressões múltiplas que atravessam essa parcela da população, como o racismo e o sexismo.


Em resumo, Amefricanidade é um conceito poderoso que nos convida a refletir sobre nossa identidade, reconhecendo a riqueza da nossa história e cultura, e a lutar por um continente mais justo e igualitário para todos. É impossível desassociar Amefricanidade como concepção de justiça social.


E, pensando em Justiça Social, é oportuno reforçarmos a luta por agendas e pautas Trabalhistas que gerem mudanças efetivas e estruturais na vida da população trabalhadora que, em suma, é o povo preto e periférico. Nessa toada, cito a luta pela justiça fiscal, que conversa diretamente com o bem viver do grupo mais sacrificado e explorado do Brasil que é as mulheres negras, que somam 27% da população do Brasil, sendo o grupo que mais sofre com o desemprego, postos de trabalho precarizados e salários baixíssimos.


Segundo o levantamento, uma mulher negra recebe praticamente metade da remuneração de um homem branco. No ranking de quem ganha menos no Brasil, a ordem é a seguinte: mulheres negras (R$ 3.041), homens negros (R$ 3.844), mulheres brancas (R$ 4.552) e homens brancos (R$ 5.718) – Fonte: Ministério do Trabalho.


A justiça fiscal, quando analisada sob uma perspectiva interseccional, revela que mulheres negras, especialmente as de baixa renda, são desproporcionalmente afetadas pelo sistema tributário brasileiro. O sistema tributário brasileiro é conhecido por sua regressividade, ou seja, a carga tributária pesa mais sobre os mais pobres, que gastam uma grande parte de sua renda com bens de consumo.


Mulheres negras, em particular, enfrentam uma dupla discriminação: a desigualdade de gênero e a desigualdade racial, o que as coloca em uma posição de maior vulnerabilidade econômica. Por isso, a discussão sobre a implementação do imposto sobre grandes fortunas, previsto na Constituição, é crucial para garantir que os mais ricos contribuam de forma mais justa para a sociedade. Se é notório que gênero e raça são fatores determinantes para o posicionamento social, há de se considerar também conjuntamente que os distintos sistemas de opressão imprimem sua marca na sociedade.


As desigualdades no sistema tributário e a falta de políticas sociais que as amparem dificultam a autonomia econômica das mulheres negras, perpetuando o ciclo de pobreza. O feminismo negro, protagonista no debate da interseccionalidade, emerge justamente da demanda das mulheres negras pelo reconhecimento de que sua experiência de vida frequentemente se distancia daquela das mulheres brancas, em conformidade com o peso do racismo e também com a questão de classe nas relações sociais. Qualquer análise que não considere a interseccionalidade acaba sendo, dessa forma, insuficiente para se compreender a subordinação das mulheres negras na sociedade.


É preciso implementar uma reforma tributária que incida mais sobre a renda e o patrimônio dos mais ricos e menos sobre o consumo, com alíquotas progressivas; A inclusão de marcadores raciais nas declarações de imposto de renda permitiria a formulação de políticas públicas mais eficazes para combater as desigualdades de gênero e raça; Apoio à autonomia econômica das mulheres negras com políticas públicas específicas e estruturadas para esse grupo, sem dúvida, podem ser fatores determinantes para a redução das variadas desigualdades que atravessam esse grupo.


Os tributos indiretos representam 14,8% do PIB brasileiro, comparado a 9,7% na média da OCDE. Já a tributação sobre a propriedade no Brasil é de apenas 1,5% do PIB, enquanto a média dos países desenvolvidos é de 2,4%. Essa estrutura reforça a concentração de renda e a desigualdade racial, com 81% dos super ricos sendo homens brancos.


As mulheres negras, que lideram 65% dos lares mais pobres, enfrentam uma carga tributária indireta média de 10,8% de sua renda, enquanto as famílias brancas pagam 9,7%. A Oxfam aponta que o sistema tributário perpetua a exclusão social da população negra, com um impacto significativo sobre as mulheres que são chefes de família.


Em julho, os movimentos de base refletem sobre a Plataforma política “ Julho das Pretas” – Campanha e movimento que celebra e fortalece a luta das mulheres negras, com foco no dia 25 de julho, Dia Internacional da Mulher Negra Latino-Americana e Caribenha e Dia de Tereza de Benguela no Brasil. O mês de julho se tornou um período de ações, eventos e debates que visam dar visibilidade às mulheres negras, evidenciando suas conquistas, lutas e desafios, além de promover a superação das desigualdades de gênero e raça.


Como pesquisadora do mercado de trabalho e Trabalhista que sou, convido cada Trabalhista a fortalecer e refletir sobre essa plataforma, resgatando a luta coletiva já cunhada por Lélia Gonzalez, via Amefricanidade e Interseccionalidade com a certeza de que, independente de gênero e raça, precisamos afirmar que, nenhum projeto político fugirá do Necro capitalismo (Capitalismo de mortes) e das políticas neoliberais, fora da coletividade pregada pelo Trabalhismo historicamente.


Não é possível consolidar Democracia e Justiça Social sem um olhar específico para as mazelas sociais que atravessam as vidas das mulheres negras e indígenas. O Olhar de acolhimento e coletividade precisam retornar ao seio do Trabalhismo.

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