O TRABALHISMO DOS NOSSOS DIAS - 2001

 

Autor: Orion Herter Cabral

Do Movimento Autenticidade Trabalhista

 

         

A Ciência Política estabelece uma linguagem comum aos que, como eu, não têm profundidade na matéria. O Professor Antônio de Souza Lara, catedrático da Universidade Moderna de Portugal, Deputado por três Legislaturas, com a Ordem de Isabel a Católica, o Mérito Civil de Espanha e Barão do Rio Branco, entre outras, faz a distinção nos conceitos entre teoria, doutrina e ideologia.

Conceitos

A teoria política é uma concepção abstrata ou filosófica, realizada por um autor representativo, com objetivos meramente teóricos. Consiste, por conseguinte, de uma idéia descomprometida direta ou imediatamente com o comportamento social.

A doutrina política é uma teoria política aplicada a uma conjuntura ou sociedade especifica.

A ideologia política é um “catecismo” correspondente a uma doutrina, que se manifesta na forma de uma força popular que se propaga.

Origem das Ideologias

Os autores podem ser reunidos em três correntes:

Os idealistas, para os quais as idéias políticas têm origem autônoma em relação à realidade. Desta corrente é o conhecido autor Friedrich Hegel (1770- 1831).

Os Materialistas, que consideram as idéias políticas condicionadas aos fatores materiais e individuais. Karl Marx, com essa concepção, desenvolveu o materialismo histórico e dialético: “a produção de idéias políticas dependem das relações de propriedade e de produção”. Pareto (1848-1923), também na linha materialista, concede ao instinto um papel determinante na ação política do homem.

Os ecléticos, que admitem a possibilidade de alternâncias entre as correntes idealista e materialista, e também múltiplas motivações para as ideologias.

Atualidade das Ideologias

Na sociedade pós-industrial, cresce o pensamento de que a ideologia é algo ultrapassado. Os critérios técnicos de otimização dos recursos, da produtividade e da rentabilidade, são encarados como substitutos das ideologias.

Tal entendimento apresenta uma base de sustentação restrita, que o Prof. Lara analisa para sustentar que “as teses sobre o apaziguamento ideológico foram elaboradas com base em realidades ocidentais e democracias estabilizadas. Portando, é necessário, no mínimo, limitá-las ao âmbito a que se circunscrevem, o Primeiro Mundo. Demais, mesmo dentro do Bloco Ocidental há vigorosos conflitos políticos com fundamentos não técnicos; como os culturais e religiosos, do Reino Unido; os raciais, da América do Norte; os regionais, da Espanha, e tantos outros. Finalmente, o Terceiro Mundo, ou as civilizações diferentes, como a Índia e o Irã, pelos valores predominantes, não combinam com o esquema tecnocrático”.

A conclusão é que a tecnocracia é uma nova ideologia propagada pelo Primeiro Mundo, que tenta ultrapassar as expressões explícitas. A rigor, poderíamos dizer que a tecnocracia é coisa antiga vem do cartesianismo (séc. XVI), do Racionalismo e do Empirismo (séc. XVII), do Iluminismo (séc. XVIII) e de certa forma também do Contratualismo, de Rouseau (séc. XVIII).

As ideologias, portanto, não são coisas desprezíveis e não há qualquer retrocesso em buscar uma identidade partidária no campo ideológico.

O PDT se mantém mais pela qualidade e força de suas lideranças do que pelas suas pregações. Contar com lideranças políticas é uma grande vantagem, contudo, não pode ser a única forma de aglutinação partidária. Com o máximo respeito, mas sem emoções, devemos ter presente que nossas lideranças, como criaturas humanas, cometem erros que fragilizam o Partido. Daí a importância de buscarmos princípios transcendentais, ideologias, capazes de polarizar, de forma permanente, os filiados e magnetizar novas massas de eleitores, antes de perdermos a criação e, o que é pior, os criadores.

O PDT deve resgatar sua identidade, importante legado, ainda atual, exposta a grandes riscos por falta de modernização do método partidário. Para ser mais claro: não bastam as reuniões em torno da Carta Testamento, a exaltação de nosso passado e o aplauso para as nossas lideranças – precisamos um novo método, compatível com a conjuntura sócio-econômica da atualidade.

As Mudanças na Economia

O Novo Estado Industrial, do conhecido autor político John K.Galbraith, um liberal, portanto insuspeito, descreve o processo de socialização das grandes empresas americanas.

Mercado x Planejamento

“A discussão em torno da maior ou menor eficiência do mercado vis-à-vis, a planificação é perda de tempo, simplesmente porque o mercado há muito tempo foi superado no mundo capitalista”. As economias centrais passaram a apresentar, após a Segunda Guerra Mundial, uma extraordinária dinâmica e capacidade de modernização tecnológica. Não porque os preços tenham sido determinado pela interação da oferta e da procura, mas porque as grandes empresas e os Estados conseguiram impulsionar um fluxo constante de inovações. A explicação é simples. O desenvolvimento dos processos produtivos impõe alguns requisitos que são incompatíveis com o mercado: investimento elevado, enorme despesa, muito tempo aplicado em pesquisa, dispendiosas estratégias de vendas e a globalização do consumo, etc. A tudo se adicionam os grandes riscos que envolvem a modificação dos padrões e os hábitos de consumo dos compradores. Neste quadro, preços e quantidades para o mercado precisam ser controlados pelas empresas. Por isso, a importância do aparato de mídia, para induzir o consumo de novos produtos e a necessidade de parceria com o governo para eliminar perdas empresarias.

Portanto, se a indução ao consumo está por atrás da inovação tecnológica, mola propulsora da economia moderna, não tem sentido falar em “soberania do consumidor”, “livre jogo das forças do mercado” e muito menos, para o caso brasileiro, na abertura do mercado para a modernização de empresas ou favorecer os consumidores internos.

Não ignoramos que vários mercados subsistem, tais são os casos: das feiras livres, de alguns mercados agrícolas e de certas atividades autônomas - de uma forma geral, setores pouco expressivos em relação ao conjunto da atividade econômica e que não ditam o ritmo da economia atual. Portanto, o sistema de planejamento predomina em relação às leis de mercado, na economia moderna, marcada por empreendimentos públicos e privados, convergentes para o desenvolvimento.

Em relação ao Brasil, poderia alguém argüir que o País não possui o traço de uma sociedade afluente para esta nova economia. No entanto, ao lado dos altos níveis de pobreza coexiste um consumo abundante, não havendo provas de que uma coisa dependa da outra. A partir de Getúlio Vargas, houve uma enorme difusão dos bens duráveis de consumo, é bem verdade de forma concentrada nas classes de maiores rendimentos, mas sem deixar de atingir também a base da pirâmide das rendas.

Assim, se o sistema de planejamento se constitui no fundamento das economias desenvolvidas, se no Brasil foi uma inovação introduzida com sucesso por Getúlio Vargas, devemos retomar a ênfase no planejamento da Economia promovido pelo Governo como método partidário.

Estrutura do Poder

Gaibraith procura demonstrar que a estrutura de poder, em geral, está relacionada às alterações que o aumento de escala e a tecnologia provocaram nos processos produtivos. O desenvolvimento tecnológico passou a requer a aplicação de múltiplas áreas do conhecimento e uma especialização crescente.  Disso resultou a necessidade de técnicos e gerentes de alto nível para conceber e operar empreendimentos cada vez mais complexos. Demais, a interdependência das atividades empresariais tem deslocado o comando dos negócios do dono para a equipe, com a dissociação entre a propriedade do capital e sua gestão. A prevalência da organização sobre a propriedade significa a ascensão da “inteligência organizada da empresa” constituída de administradores, gerentes, técnicos e funcionários formadores da técno-estrutura. Também a constituição das empresas na forma de sociedade anônimas facilitou a pulverização da propriedade e acentuou a exigência em termos de resultados, reforçando mais ainda o comando das empresas pelos funcionários especializados.

No modo de produção atual, a participação do trabalhador na direção da empresa - uma bandeira a ser retomada pelo PDT – vem ocorrendo nas economias do Primeiro Mundo. No Brasil dos partidos ditos socialistas, o melhor que se pode dizer é que são tímidos na impulsão desse processo espontâneo e irreversível.

O Trabalho

As transformações no processo produtivo levaram não somente à superação da figura do empresário, como também a defecção de parte do exército oponente, o operário especializado. O progresso técnico diminuiu o peso relativo dos operários braçais, aproximando o trabalhador especializado da organização que lhe proporciona o emprego e um horizonte concreto de ascensão social através da escalada hierárquica do setor. Com esse tipo de visão, os sindicatos, algumas vezes, realizam ações convergentes com o interesse das empresas. Foi o caso, por exemplo, do apoio sindical ao crescimento da indústria automobilística brasileira, na década de 90, através de benefícios tributários. O Governo Collares construiu os termos da concessão, sob condição da descentralização do setor. Disso resultaram ganhos: para as empresas, para os trabalhadores e para os Estados onde foram instaladas novas linhas de montagem, como no Rio Grande do Sul, sem prejuízos para São Paulo ou Minas Gerais, onde estava centralizada a produção.

Os Donos do Dinheiro

Os leitores e ouvintes de Peter Drucker sabem que suas análises têm por base fatos e dados concretos e óbvios. Em A Revolução Invisível, Drucker mostra a expressiva participação dos trabalhadores na economia americana através dos fundos de pensão e também aponta suas debilidade.

“Se o socialismo for definido como a propriedade dos meios de produção pelos trabalhadores e essa é não só a definição ortodoxa, como também a única rigorosamente” – então, o mundo está se socializando rapidamente.

Através de seus fundos de pensão os empregados das empresas americanas possuíam, em 1977, 25% do capital acionário do País que, somados aos 10% dos fundos de pensão dos profissionais autônomos, dos funcionários públicos e dos professores, ultrapassava 1/3 do capital acionário do mercado americano – mais do que suficientes para controlarem as grandes empresas. Essa revolução socialista através dos fundos de pensão teve seu início em 1950, por iniciativa de Charles Wilson  da General Motor.

Os dados adicionais, transcritos a seguir, permitem visualizar a grandiosidade do processo.

Patrimônio dos Fundos de Pensão em 1999

 

       País                                                       Participação

                                                                    em % do Pib                       

Holanda                                                                       120

Suíça                                                                           100

Dinamarca                                                                      80

Estados Unidos                                                               79

Japão                                                                             40

Brasil                                                                             14

 

Fonte: Associação Brasileira das Entidades Fechadas de Previdência Privada.

Naturalmente não ignoramos que o Brasil tem uma Previdência Social de natureza pública, nem mesmo deixamos de lembrar o FGTS e o PIS/PASEP, todos administrados e usados de forma provocativa pelo Executivo com a complacência do Parlamento.

Evolução do Patrimônio dos Fundos de Pensão no Brasil

 

Ano               Valor dos Ativos                         PIB                         Ativos/PIB

                   R$ milhões Ago/00               R$ milhões Ago/00                  %     1990                     26.352                              787.806                         3,34

1995                     74.815                              916.259                         8,17

2000                   141.309                            1.010.068                       14,00

Fonte: ABRAPP.

 Em 1995, somente os ativos dos investidores institucionais (fundos de pensão, seguradoras, fundos mútuos etc.) dos países que compõe o G7 atingiam o montante de US$ 20 trilhões ou 110% do seu PIB conjunto, o que equivale a aproximadamente 2/3 do PIB mundial. Na década de 90, esses ativos vêm crescendo a uma taxa média de 13% ao ano, cinco vezes mais do que o crescimento médio anual do produto (IMF, 1998c). No Brasil, os fundos de pensão cresceram no mesmo período, a uma média de 18% a. a.

Conclusão

Voltamos às lições do Professor Lara, para destacar a questão do método político e acrescentar a diferença entre o método, no sentido restrito ao conceito de técnica, do método no sentido amplo, que é a utilização aplicada e articulada de técnicas, visando objetivos filosoficamente desejados e temporalmente marcados. Portando, o método político, em sentido amplo, é a lente escolhida para observar a realidade. Assim, nossa lente política deve focar o patrimônio financeiro dos trabalhadores, representado pelos fundos de pensão, o FGTS, o PIS, PASEP, o Fundo de Previdência Social e a Caderneta de Poupança. Trata-se de expressivo recurso, dos trabalhadores, desbastado pelas políticas monetárias há décadas, diante da indiferença dos partidos.

O PDT, de Getulio e Pasqualini, coerente com sua  ideologia desenvolvimentista, há muito deveria estar defendendo as reservas financeiras dos trabalhadores e sua destinação exclusiva para a produção, da qual dependem o emprego e o crescimento social sustentado do trabalhador. Trata-se de tema de interesse nacional generalizado, propositadamente esquecido pelos políticos.

Finalmente, como alguns companheiros têm preferência pelo paternalismo-populista, do meu ponto de vista um equivoco, recomendo a leitura das Encíclicas Papais, sobre o trabalho, mostrando, a ausência dos governos na mobilização das potencialidades do mundo como causa da pobreza no planeta.

Não podemos deixar de referir o fato de que os trabalhadores transformados nos principais proprietários dos meios de produção e distribuição da riqueza mundial, são patrões insensíveis, pela ausência de linhas de forças políticas capazes de orientar essa nova fase do capitalismo.