urna eletrônica 2 reprodução TSE

A decisão do Tribunal Superior Eleitoral (TSE) de inocentar Temer não me surpreende. Se você procurar saber o que foi o “escândalo da Proconsult” – a tentativa de fraude eleitoral contra Brizola quando ele disputou o governo do Rio de Janeiro, em 1982 – não encontrará uma linha sequer sobre o assunto, nos arquivos do TSE. Este mesmo Tribunal que, em setembro de 1981, autorizou pela primeira vez o uso de computadores para totalizar votos nas eleições; e, em 1996, introduziu as urnas eletrônicas nos pleitos brasileiros: as mesmas em uso até hoje e que não imprimem o voto. Eles garantem, com forte aparato publicitário, que elas são 100% seguras. Não são.

A introdução dos computadores nas eleições brasileiras pelo TSE em 1982, logo de saída deu problema. No Rio de Janeiro, o TSE fez vista grossa quando a firma de informática Proconsult, controlada por arapongas do moribundo SNI (Serviço Nacional de Informações) tentou, sem sucesso, fraudar as eleições no Rio de Janeiro para beneficiar Moreira Franco: transformaram votos de Brizola em nulos e brancos.

A coisa não deu certo, porque uma simples rádio ­– a Rádio JB –, totalizando resultados colhidos nas zonas eleitorais com simples máquinas de somar quebrou a lógica do roubo, via computadores, que era ‘convencer’ a população, através da mídia, de que o resultado daquela fraude era o correto.

Vivi intensamente isto no jornal “O Globo”, onde era repórter, recém-saído da Rádio JB e do ‘Jornal do Brasil’, redações em que trabalhava ao mesmo tempo. Contrariando o aparato das Organizações Globo, o ‘Jornal do Brasil”, deu desde o primeiro dia, na sua primeira página a vitória de Leonel Brizola. Isto porque usou o resultado somado pela rádio com máquinas de somar; e não o produzido pelo centro de processamento de dados do jornal. Desde o primeiro dia de apuração o “Jornal do Brasil” deu Brizola na frente, enquanto ‘O Globo’, com base no seu CPD, dizia que Moreira estava na frente.

Foi uma situação absolutamente maluca. Cada jornal afirmava uma verdade. E foi assim a semana inteira: TV Globo, Rádio Globo e jornal O Globo diziam uma coisa – Moreira Franco, este mesmo que hoje é fiel escudeiro de Michel Temer, à frente; o Jornal do Brasil e a Rádio Jornal do Brasil afirmavam que Brizola estava ganhando a eleição. Foi assim de segunda a sábado, na primeira semana da apuração das eleições do Rio de Janeiro.

A maluquice só parou quando Roberto Marinho, no sábado, mandou parar os computadores do jornal “O Globo”, em que eram totalizados os resultados usados pela televisão, pelas rádios do grupo e pelo próprio jornal. Lembro de uma conversa de bar com Iran Frejat, editor de cidade do Globo e responsável pela coleta de dados das zonas eleitorais, usando estudantes de jornalismo, me dizendo que nem ele estava entendendo o que estava acontecendo.

Frejat, diante da doideira da eleição com dois resultados, decidiu alimentar o computador do Globo só com resultados da Baixada Fluminense, onde Brizola ganhava disparado. Sua hegemonia era tal que, em uma urna, todos os votos válidos – todos – foram dados ao Brizola.

E nem assim o computador do Globo virava o resultado: dava Moreira Franco.

Quem quiser saber mais detalhes disto tudo, que hoje é história, pode procurar o livro “Plim-Plim, a peleja de Leonel Brizola contra a fraude eleitoral”, do jornalista Paulo Henrique Amorim (Editora Conrad), que em 1982 era chefe de redação do ‘Jornal do Brasil’.

Sabem o que o TSE fez a respeito da fraude? Nada. Varreu para baixo do tapete o assunto e se fez de morto; embora um integrante do Ministério Público estadual do Rio de Janeiro tenha tentado botar os fatos em pratos limpos. Sozinho como veio ao mundo.

Ninguém foi punido, ficou por isso mesmo. O ‘Escândalo da Proconsult’ só está vivo na memória de quem viveu os fatos e nas páginas do livro de Paulo Henrique Amorim. Oficialmente, a Justiça Eleitoral – a responsável por tudo – desconhece o assunto; ou, como está em moda hoje, diz que “não vem ao caso”, porque naquele tempo as eleições não eram ‘seguras’ como são hoje, desde o início do uso das urnas eletrônicas, em 1996.

Os fatos citados não impediram – é bom lembrar – que três anos depois, imediatamente em cima da campanha das Diretas Já que mobilizou todas as forças vivas da Nação contra a ditadura e pela Democracia, o mesmo TSE, sem ninguém saber exatamente para quê, iniciasse um recadastramento nacional de eleitores em que os cerca de 92 milhões de eleitores à época foram obrigados a trocar os seus títulos eleitorais antigos, por um novo: o mesmo que está em uso hoje.

No antigo o eleitor tinha uma foto, nome do pai, da mãe, endereço, e no verso – rubrica do presidente da seção onde votava. Documento pessoal e intransferível. Já o novo, instituído a partir das eleições de 1986, são a mixórdia que todos conhecem e que no início permitiu a mais simples de todas as fraudes – um eleitor votar pelo outro – já que não se exigia documento com foto para as pessoas votarem, no dia da eleição. Aliás, pode-se votar com um outro documento que tenha foto.

No Rio de Janeiro, durante o recadastramento, a justiça eleitoral disse que os eleitores receberiam em casa os seus títulos antes das eleições de 86. Não receberam. Trabalhando nos programas eleitorais gratuitos do PDT no rádio e na tevê, sugeri a Fernando Brito, titular do programa, que começássemos a veicular mensagens alertando aos eleitores de Darcy Ribeiro que fossem as respectivas zonas eleitorais buscar o título – absurdo! Mas, que jeito?… Pois o TRE, naquela eleição, entre outros problemas, botou a Rocinha inteira (eleitorado de Brizola e Darcy) para votar no Hotel Nacional, onde se fizeram filas quilométricas; concentrando o eleitorado popular.

Este fenômeno (concentração do eleitorado popular) ocorreu em todo o Rio de Janeiro e antes que me perguntem o que o TSE tem a ver com isto, explico que na Bahia aconteceu a mesma coisa – naquela eleição, a de 1986, onde Waldir Pires, como Darcy Ribeiro no Rio, também tinha grande chance de vitória. Na Zona Oeste do Rio, às cinco horas em ponto, os portões das sessões eleitorais foram fechados e milhares e milhares de eleitores não puderam votar.

Ganhou Moreira Franco, pelo PMDB, após o fracasso de 1982, ano da eleição totalizada pela Proconsult que também disputou – só que pelo PDS, partido da ditadura – e foi derrotado por Leonel Brizola; que antes que a patranha desse certo, convocou a imprensa estrangeira denunciou a fraude e a justiça eleitoral para a imprensa internacional. E deu o maior xabu.

Mesmo com seu candidato, Darcy Ribeiro, derrotado em 86, Brizola continua candidatíssimo à presidência da República e onipresente na vida política brasileira ao longo dos anos 80. Quando bate de frente com o Plano Cruzado e com o próprio presidente José Sarney e seus acólitos, como Antônio Carlos Magalhães e o ínclito Moreira Franco.

Reordenou suas trincheiras, através da publicação de seus Tijolaços, iniciada dois anos antes para defesa de seu governo, condenado que fora “à Sibéria eletrônica” por conta de sua luta contra Roberto Marinho e sua Rede Globo de Televisão; e, sempre de olho das eleições diretas para a presidência, se habilita a ser um dos possíveis candidatos.

Chegam as eleições presidenciais diretas de 1989, as primeiras depois da ditadura. Mordido de cobra com o Caso Proconsult, Brizola representa formalmente ao TSE, em nome do PDT, exigindo uma auditoria internacional do programa de informática que seria usado nas eleições presidenciais, já que naquela época o voto era em papel – mas desde 1982 a totalização dos votos era feita em computador. De novo, a justiça eleitoral, em setembro de 1989, desconheceu o pleito de Brizola. Não houve auditoria alguma, valeu o programa do TSE.

E Brizola não vai ao segundo turno na presidencial de 89: embora tenha permanecido toda a campanha à frente de Lula nas pesquisas, no último dia antes da votação, com absoluto estardalhaço, a Globo anuncia que “as pesquisas” indicavam que Lula ia passar Brizola e o resultado das urnas eletrônicas confirma isto – Lula passa Brizola por menos de 1% do eleitorado e vai disputar o segundo turno com Collor.

Brizola apoia Lula no segundo turno, vem a campanha, Brizola transfere os seus votos para Lula, mas vem também o debate editado pela Rede Globo Lula X Collor na véspera da eleição, embora a legislação da época proibisse expressamente isto (TSE não faz nada); e Collor leva.

Brizola se torna governador, de novo, do Rio de Janeiro, em 1990, e candidatíssimo à Presidência da República. Vem a eleição de 94, Brizola perde de novo a presidência, Lula também, ganha FHC. O mesmo FHC que, a pedido de próceres do TSE, apoia e autoriza repasse de recursos (via Banco Mundial) para a informatização total das eleições brasileiras. E finalmente, nas eleições municipais de 1996, chegam as urnas eletrônicas vendidas pelo TSE aos brasileiros, via marketing e campanhas milionárias no rádio e na televisão, como 100% seguras. Urnas que inicialmente imprimiam o voto, para conferência, mas como ninguém reclamou por conta do sucesso da novidade – o TSE, sem choro nem vela, aboliu.

Impressão de voto – considerada fundamental pelos especialistas em informática para permitir a conferência e auditoria dos resultados – que voltou a ficar em questão em 1998, quando explodiu o escândalo do painel eletrônico do Senado – quando dois senadores, José Roberto Arruda e Antônio Carlos Magalhães, para não serem cassados, renunciam após se descobrir que o voto secreto dos senadores, via “botão macetoso” no programa que controlava o painel eletrônico do Senado, não era secreto coisa alguma.

Tanto que os dois impolutos senadores produziram uma lista da votação “secreta” sobre o caso Luis Estevão, interessados em saber como votara a então senadora Heloísa Helena (do PT). O bicho pegou, a opinião pública brasileira colocou o voto informatizado na berlinda, passou logo depois lei – no Senado e na Câmara – instituindo a impressão do voto eletrônico para permitir, posteriormente, a conferência dos resultados.

Contra o TSE, na época presidido por outra impoluta figura da República, Nelson Jobim, inimigo mortal do voto impresso conferido pelo eleitor – única maneira de auditar resultado.

O voto impresso foi instituído, contra a vontade do TSE, mas Jobim nunca desistiu da ideia de manter as urnas eletrônicas brasileiras inauditáveis, inseguras, sabotando a impressão do voto nas eleições de 2002, quando ela foi feita a título de experiência, em poucos municípios brasileiros – embora Jobim tenha, pessoalmente, garantido a Leonel Brizola que mais de 50% das urnas eletrônicas imprimiriam o voto. O que não aconteceu e levou Brizola, inclusive, a produzir um programa especial do Partido – para veiculação em cadeia nacional de rádio e televisão – falando sobre a insegurança do voto eletrônico brasileiro.

Um ano depois a impressão do voto caiu – por iniciativa de Jobim, com ajuda do senador Eduardo Azeredo (PSDB-MG), apesar da comunidade acadêmica nacional da área de informática ter tentado evitar que isto acontecesse difundindo um manifesto (http://www.votoseguro.com/alertaprofessores/) . Uma derrota e tanto.

Mas esta turma não desistiu, tanto que tempos depois, projeto de lei apresentado pelos deputados Brizola Neto (PDT-RJ) e Flávio Dino (PC do B-MA) é aprovado na Câmara dos Deputados e no Senado, e voto passa a ser impresso e seria usado pela primeira vez nas eleições de 2014, disputadas por Dilma Rousseff e Aécio Neves (http://www.pdt.org.br/index.php/voto-eletronico-volta-a-ser-impresso-a-partir-de-2014/) – mas antes que ela entrasse em vigor, o TSE, acionou o Ministério Público Federal e este entrou com uma ADI no Supremo Tribunal Federal (STF) e o voto impresso foi, de novo, derrubado.

Triste Brasil, condenado a repetir os mesmos erros por conta de sua elite egoísta e cretina.

Finalizando esta história que não termina, no calor da campanha para derrubar Dilma, insatisfeitos com a derrota nas urnas para o PT e a preferência do povão pela política, inclusiva de Lula e Dilma, os viúvos da derrota de Aécio Neves, aprovaram na Câmara e no Senado, em pleno processo de desestabilização do governo Dilma, nova lei para que o voto das urnas eletrônicas brasileiras sejam impressos.

Como todos os especialistas de informática do mundo, e não apenas brasileiros, recomendam que seja, porque urnas eletrônicas totalmente dependentes de softwares, como são as brasileiras desde 1996, são obsoletas e superadas. Tanto que foram abandonadas em todos os países do mundo onde já foram usadas por facilitarem fraudes e não permitirem que o eleitor seja fiscal do próprio voto, sendo obrigados a acreditarem no software que está dentro da máquina. Foi assim na Holanda, que inventou essas máquinas; na Bélgica; na Alemanha; nos Estados Unidos – onde são expressamente proibidas; na Índia e onde mais elas foram usadas.

Só no Brasil ainda são usadas, porque o TSE, o mesmo que permitiu que Michel Temer continue Presidente da República, não quer que os mais de 180 milhões de brasileiros que constituem o eleitorado brasileiro hoje, número questionável em si já que a população estimada é de 206 milhões de brasileiros; tenham uma eleição limpa e segura.

Aliás, a atual legislação, aprovada pelos mesmos deputados que derrubaram Dilma, determina que as eleições do ano que vem sejam feitas com voto impresso. Vocês acreditam que isto vai acontecer? Eu não. Vamos esperar até outubro para ver como fica…

*Osvaldo Maneschy é jornalista e militante do PDT.